Amigos para sempre e bola para a frente

Eu levei toda uma vida pintando um relacionamento fadado ao fracasso. Em uma tela enorme usei todas as cores da paleta, e nos momentos de pressão inventei cores novas para delinear o seu corpo como deveria ser, o seu rosto angelical no qual eu acreditava, no sorriso insincero, mas afetivo que hipnotizava até as cobras, úteis para o seu show particular.

Rebelde, recriminei, causei o caos nas madrugadas venenosas que não acabavam na cama, porque a desconfiança borrava a pintura, reiniciada sempre de um modo mais frio.

Toda uma existência algemado ao irreal, ingenuamente acreditando em uma equação disfarçada de amor, quando tudo o que para a rainha do quadro era um jogo interminável no qual todos se ferram, inclusive ela, que mal curava os ferimentos e já mergulhava em aventuras inimagináveis, que gerariam mais tristeza e desconforto.

Na minha tela rabiscava diversas saídas, mas em todas havia armadilhas. Alguém disposto a amainar as próprias dores realizando atividades nocivas, apenas para se autodestruir, egoisticamente sem pensar no término do outro, que manipulou para se dar bem, e ainda assim saiu chamuscado dessa festa rumorosa e horripilante.

Essas pessoas não podem ser eternizadas por nenhuma arte porque são vítimas e carrascos, se magoam e sempre encontram nos outros a desculpa perfeita para atenuar a própria maldade. Nunca se julgam culpadas por nada, sempre acusam a quem era parceiro de sacanagem e agora é opositor, e deve carregar a culpa sozinho, para aliviar a dor pelo que foi feito.

Os egoístas são pintados como monstros, e da tela saltam para assombrar a qualquer desavisado que esteja admirando inocentemente.

Um arroubo de amor que se disfarça de paixão e acaba como uma noite apenas, regada a bebedeira e drogas. Um “amigos para sempre” e bola para a frente.

                    Marcelo Gomes Melo